Quem foi Ciro Pessoa? A história de uma das figuras mais interessantes do Rock Brasileiro

Músico enfrentava um câncer e faleceu após contrair COVID-19.

Por Jefferson Vicente (@vicenterocker)

Morreu na madrugada de terça-feira (5) o cantor, compositor, escritor, jornalista e poeta Ciro Pessoa, uma das personalidades mais interessantes da história do rock brasileiro.

Nascido em 1957, Ciro Pessoa Mendes Correa começou sua carreira musical de forma amadora ainda adolescente quando participava do concurso de calouros do Clube Ilha Porchat, em São Vicente, na baixada santista.

Na década de 1970, entrou no Colégio Equipe, localizado na Zona Oeste de São Paulo onde conheceu seus futuros parceiros nos Titãs. Local de efervescência cultural, o colégio ficou conhecido por apresentar shows de ícones da música brasileira, de Gilberto Gil a Clementina de Jesus (1901-1987), passando por Hermeto Pascoal, Cartola (1908-1980), Alceu Valença, entre outros. Os eventos eram organizados pelo jornalista e futuro apresentador Serginho Groisman.

Em 1981, após uma viagem ao Rio de Janeiro, teve contato com o cenário roqueiro que estava sendo formado em torno do Circo Voador, espaço lendário para a música nacional. Ciro namorava Wania Forghieri, irmã de Billy Forghieri, que havia se tornado tecladista da Blitz, surgida justamente naquele período. De volta a São Paulo, decide formar uma banda unindo os antigos colegas de escola que até então, tinham projetos musicais distintos. Surgia os Titãs do Iê-Iê.

Com uma proposta abrangente, a banda fez um show na Biblioteca Mário de Andrade durante o evento Idade da Pedra Jovem e depois, sua estreia profissional – com o repertório de 30 canções inéditas – nos dias 15 e 16 de outubro de 1982 no SESC Pompeia em uma “sessão maldita” à meia-noite. O grupo era formado por nove integrantes. Arnaldo Antunes, Branco Mello, Ciro Pessoa e Nando Reis eram apenas vocalistas. Paulo Miklos e Sergio Britto cantavam e se revezavam entre os teclados e o baixo. Marcelo Fromer (1961-2001) e Tony Bellotto nas guitarras e André Jung na bateria.

Os nove Titãs originais em 1983.

Após alguns shows em casas alternativas da capital como Napalm, Hong Kong e o Teatro Lira Paulistana, a banda foi contratada pela gravadora WEA (hoje Warner Music) juntamente com outros grupos como Ira! e Ultraje a Rigor e abandona o “iê-iê”, passando a se chamar somente Titãs. Meses antes do início das gravações, Ciro deixou a banda após divergências artísticas, pois desejava um direcionamento mais roqueiro para o grupo, além de questionar o modo que o então baterista André Jung tocava. Os integrantes optaram naquele momento por continuar com André, que gravou o primeiro disco e foi substituído por Charles Gavin no final de 1984.

Curiosamente, Jung assumiu as baquetas do Ira! no lugar ocupado antes por Charles, que deixou a banda de Nasi e Edgard Scandurra para tocar no RPM até ser convidado por Branco Mello e Sergio Britto para integrar os Titãs.

Após sua saída conturbada, Ciro formou o Cabine C com sua então esposa Wania Forghieri. Voltada a new wave e – posteriormente – ao pós-punk, a banda teve a presença de músicos renomados como Charles Gavin e Edgard Scandurra – na época ambos do Ira (ainda sem ponto de exclamação) -, com a breve passagem de Sandra Coutinho, baixista das Mercenárias, substituída por Ricardo Gaspa. Com as saídas de Scandurra e Gaspa – que decidiram se dedicar ao Ira! – e a ida de Charles para o RPM e posteriormente para os Titãs, a formação se desfez. Ciro decidiu continuar com o projeto e recrutou a baixista Anna Ruth e a baterista Marinella Setti.

Cabine C em suas duas formações.

Na época, Ciro Pessoa tinha como sala de ensaio a lavanderia de sua casa no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo e cedia o espaço para o RPM que estava começando. Com o sucesso arrebatador, a banda de Paulo Ricardo e Luiz Schiavon decidiu abrir sua própria gravadora e sentia que deveria retribuir a Ciro todo o apoio recebido no início de carreira. Surgia então a RPM Discos e o Cabine C foi convidado para ser a primeira experiência do selo.

Com a produção de Schiavon, a banda gravou no Estúdio Transamérica o álbum Fósforos de Oxford em 1987. Calcado na sonoridade pós-punk de grupos como Cocteau Twins, Siouxie and the Banshees, The Cure e até mesmo Sisters of Mercy, as influências poéticas de Ciro estão presentes nas onze faixas. O músico costumava ler poetas românticos franceses como Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire, o dramaturgo Antonin Artaud e o escritor Edgar Alan Poe. O álbum teve as participações especiais do músico Akira S e de Fernando Deluqui, guitarrista do RPM. A mistura das referencias musicais e literárias fizeram do disco uma obra-prima, tornando-o singular na história da música brasileira, porém, sem o reconhecimento merecido.

Em seu lançamento, Fósforos foi bem recebido pela crítica, mas teve problemas de distribuição, que era realizada pela RCA Victor. A música Neste Deserto chegou a ser executada nas rádios rock de São Paulo, mas a gravadora não promoveu o álbum. Aquela altura, o RPM já encontrava-se desgastado devido ao enorme sucesso que havia feito e não conseguiu administrar a gravadora, que tinha ainda como projeto um disco de Elza Soares com a produção do titã Branco Mello. Iniciou-se uma batalha judicial que fez com que a RPM Discos encerrasse as atividades ainda naquele ano.

Fósforos – nunca lançado em CD – tornou-se uma obra cult dentro da história do rock brasileiro. Foi disponibilizado nas plataformas digitais em 2019, pela Curumim Records. O Cabine C ainda chegou a produzir repertório para um segundo álbum, intitulado Cotonetes Desconexos, porém este nunca foi concluído e a banda chegou ao fim em 1989. Na mesma época, Ciro compôs com Wania a trilha sonora do filme Oceano Atlântis, protagonizado por Antônio Abujamra (1932-2015), roteirizado em parceria com o cineasta Francisco de Paula.

Na virada da década, decidiu formar uma nova banda após realizar um show solo em dezembro de 1989. O CPSP (Ciro Pessoa e seu Pessoal), fazia um som inspirado na Jovem Guarda, influenciada por Odair José, Jerry Adriani (1947-2017), Roberto Carlos, entre outros. Nos shows, o quinteto costumava tocar Sonífera Ilha.

CPSP no programa Matéria Prima (TV Cultura, 1990), apresentado por Serginho Groisman.

O grupo excursionou pelo interior de São Paulo e manteve-se até 1992. Em meados da década, Ciro formou o projeto Ciro Pessoa e Ventilador com ex-membros do CPSP e alguns percussionistas, ente eles o músico Laudir de Oliveira (1940-2017), que trabalhou com ícones da música nacional e internacional.

Ciro Pessoa e Ventilador no programa Cia da Música (1994), apresentado por João Marcelo Bôscoli.

O grupo foi a única aventura de Ciro em ritmos brasileiros misturados com rock, sonoridade em voga na época através de bandas como Chico Science & Nação Zumbi, Raimundos e Mundo Livre S/A. Ventilador gravou um disco independente, intitulado Batuca Aqui em 1996, com a produção de Edgard Scandurra e do trombonista Bocato. O projeto teve vida curta e o disco foi lançado apenas nas plataformas de streaming em 2019, também pela Curumim Records.

Após problemas com drogas, Ciro buscou tratamento no final da década de 1990. Convertido ao budismo, passou a usar o pseudônimo Dharma Tenzin Chöpel ao assinar artigos escritos para jornais e revistas.

Ao lado de Branco Mello, produziu o álbum conceitual infantil Eu e Meu Guarda Chuva em 2001, com as participações de Frejat, Marcelo Falcão, Rodolfo Abrantes e Cássia Eller. O trabalho virou livro – escrito por Branco e Hugo Possolo – em 2003 e filme, dirigido por Toni Vanzolini em 2010.

Ciro Pessoa e Branco Mello na década de 1980 e em 2017.

Em 2003 lança seu primeiro álbum solo, intitulado No Meio da Chuva eu Grito Help, produzido por Apollo 9. Com influências punk e psicodélicas, o disco traz ótimas composições como Dúvidas e Sonhos, Só Pra Me Enlouquecer, Boliche Sideral e uma versão de ’69 Année Érotique, de Serge Gainsbourg (1928-1991), intitulada Até os Anos 70.

Nessa época, Ciro teve dificuldades para divulgar seu trabalho e realizar shows. Totalmente recuperado da dependência química, passa a se dedicar a carreira de jornalista e escritor, colaborando para a Folha de São Paulo e revistas como Playboy, VIP e Superinteressante.

No final dos anos 2000 grava o álbum Em Dia com A Rebeldia, também produzido por Apollo 9 e pelo engenheiro de som norte-americano Roy Cicala (1939-2014), conhecido por ter trabalhado com ícones da música internacional como John Lennon, AC/DC, Bruce Springsteen, Elvis Presley e Aretha Franklin.

Lançado em 2010, o disco tem forte influência da estética surrealista, dadaísta e psicodélica. Ciro se inspirou em artistas como Salvador Dali, Renê Magritte, André Breton e o poeta romeno Tristan Tzara. Musicalmente, o disco traz influências de Pink Floyd, Beatles, Mutantes, Jimi Hendrix e Secos & Molhados. Ciro realiza um grande show no Auditório do Ibirapuera em São Paulo, mas novamente passa por dificuldades para divulgar seus trabalhos.

Em 2013, torna-se um forte crítico ao Governo Dilma Rousseff (2011-2016) e ao coletivo Fora do Eixo. Também deu uma grande entrevista para o canal Vitrola Verde, do jornalista e pesquisador Cesar Gavin. Na época, Ciro se apresentava com a banda Nu Descendo a Escada ao lado da sua então esposa Isabela Johansen e do guitarrista Kim Kehl. No ano seguinte, publicou o livro Relatos da Existência Caótica pela Editora Chiado, com antologias de poemas escritos ao longo de sua carreira.

Em 2016, junta-se aos guitarristas Chico Marques e Claudio “Moko” Costa, o baixista Diego Basa e o baterista Pedro Leo e forma a banda Flying Chair, voltada para o rock tradicional das décadas de 60 e 70. Em 2017, o grupo lança seu primeiro disco com a participação especial de Paulo Pagni, baterista do RPM, falecido em 2019.

A banda realiza alguns shows em bares e casas noturnas de São Paulo. Destaque para a gravação de um álbum ao vivo em julho daquele ano no Estúdio Na Cena e as apresentações realizadas no MIS – Museu da Imagem e do Som em dezembro de 2017 – com a participação de Branco Mello – e em fevereiro de 2018, encerrando a grande exposição que homenageou Renato Russo (1960-1996). O grupo também participou de programas de rádio como BR 102 e Filhos da Pátria, na Kiss FM e Show do Tatola na 89 FM, a Rádio Rock.

Em 2019, foi divulgado um teaser do documentário Quem é Ciro Pessoa?, dirigido pelo jornalista Wladmyr Cruz, previsto para ser lançado em 2020. A Flying Chair se apresentou com o baixista Ícaro Scagliusi e o baterista Ricardo Topfer e iniciou as gravações de seu segundo álbum de estúdio. Ciro também compôs a música O Silêncio em parceria com Thadeu Meneghini, da banda Vespas Mandarinas. A canção foi executada em alguns shows do grupo, mas ainda não foi gravada em estúdio.

A última vez que Ciro subiu em um palco foi em outubro de 2019, na casa de shows Madame (antigo Madame Satã) local emblemático para a história do rock brasileiro. O show teve a participação do cantor Fernando Ceah, da banda paulistana Vento Motivo e foram gravadas cenas que irão fazer parte do documentário.

Flying Chair em 2019. Foto: Leandro Almeida.

No início do ano, Ciro começou o tratamento contra um câncer. As sessões de quimioterapia aconteceram durante a pandemia de COVID-19. Segundo a ex-mulher do músico Isabela Johansen, ele contraiu coronavírus entre idas e vindas ao hospital. Ciro foi internado na última semana e não resistiu. Faleceu na madrugada de 5 de maio aos 62 anos.

Homenagens foram feitas nas redes sociais pelos integrantes dos Titãs Branco Mello e Sérgio Britto e pelos ex-membros Nando Reis, Paulo Miklos, Charles Gavin e Arnaldo Antunes. O perfil oficial dos Titãs no Instagram fez uma postagem lembrando a passagem de Ciro pelo grupo.

Amigos pessoais de Ciro como Chico Marques, Cláudio Moko e Ícaro Scagliusi, integrantes da Flying Chair, Fernando Ceah, Isabela Johansen e Cesar Gavin também homenagearam o músico

Personalidades como Paulo Ricardo, Lobão, Dinho Ouro Preto, Fê Lemos, Kiko Zambianchi, Nasi, Roger Moreira, Bacalhau, Marcelo Gross, Thadeu Meneghini, os apresentadores Serginho Groisman, Luiz Thunderbird, o crítico musical Régis Tadeu e os radialistas Tatola Godas e Roberto Maia da 89 FM reverenciaram Ciro Pessoa em suas redes sociais. Edgard Scandurra, guitarrista do Ira!, fez uma live em seu perfil no Instagram na última quarta-feira (6) tocando músicas feitas em parceria com Ciro.

Ciro Pessoa foi um compositor singular dentro da história da música brasileira. Acreditava em seu trabalho, nunca fez concessões e como costumava dizer, “o que minha alma ditar, eu faço”. Sua perda deixa o rock nacional um pouco mais pobre.

Ciro Pessoa no Teatro do MIS em dezembro de 2017. Foto: Van Campos.

Obrigado Ciro Pessoa!

12 de junho de 1957 – 5 de maio de 2020

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